Para lembrar a saga da fábrica pioneira é preciso contar a vida de seu Leon, que foi atropelada pela História.
Aos 20 anos, ele era um judeu em um péssimo lugar para se estar em 1939: a Polônia. Sua família tinha uma pequena fábrica de bicicletas quando os nazistas invadiram o país. Leon e os parentes foram mandados em 1942 para o gueto que concentrava os judeus de sua cidade, Ostrowieck. Por se recusar a sair de casa, seu pai foi morto pela Gestapo.
E Leon conheceu os horrores do Holocausto: fome, trabalhos forçados, tifo, cães pastores latindo, execuções e deportações para campos de extermínio em vagões de gado.
Para fugir do gueto, Leon usou uma identidade falsa, de polonês não-judeu. E, com o nome Jan Grabowski, entrou numa frente de trabalhos forçados que o levou à Alemanha - pior lugar possível para se estar durante o regime nazista.
Na Alemanha, Leon foi trabalhar numa fazenda. Consertava máquinas, operava o trator e arava a terra. Viu bombardeios aliados e o desespero dos nazistas. E, assim, garantiu sua sobrevivência até a chegada das tropas americanas, em 1945.
- A guerra acabou e eu não tinha nenhum parente vivo na Europa - conta Leon.
Em vez de remoer o passado, ele adotou uma filosofia de vida: "Era para eu estar morto há muito tempo. Tudo o que vier daqui para a frente será lucro". O jeito foi buscar abrigo no que sobrara de sua família: os irmãos que haviam emigrado para o Brasil antes da guerra.
Aqui, encontrou guarida com o primogênito da família, Bernardo, dono da empresa de produtos químicos B. Herzog. Desta forma, Leon voltou à sua antiga atividade: montar e vender bicicletas. De uma lojinha, a coisa evoluiu para uma fábrica no Caju, em 1951. Era a Gulliver (nada a ver com a homônima empresa de brinquedos).
Na Europa do pós-guerra, havia a onda dos pequenos motores 2T para serem acoplados a bicicletas. E foi a partir de um desses motores, da francesa Lavalette, que Leon montou, no Brasil, seu primeiro ciclomotor: a Gullivette.
Nasce a L. Herzog
A produção correu bem até que, em 1957, houve um desentendimento entre os sócios da B. Herzog, e a Gulliver foi fechada. O que sobrou para Leon foi o conhecimento para montar a empresa L. Herzog.
Ele comprou uma fábrica de baldes desativada em Cavalcante e começou a fazer as bicicletas Cacique e Roadster. Numa viagem a Frankfurt, Leon foi a uma feira de negócios e adquiriu moldes usados de um ciclomotor francês fora de linha. Depois, foi preciso adaptar as prensas de baldes para estampar tanques e quadros.
Só o motor, a transmissão e os cubos de rodas seriam importados, da então Tchecoslováquia. Eram da Jawa, na época uma poderosa marca no mundo das duas rodas.
Assim, no fim de 1960, nasceu a Leonette. O nome, óbvio, era uma referência ao fundador. Já o escudinho colorido no tanque era o brasão de Luxemburgo - país de origem do sogro de Leon, que muito o ajudara na empreitada.
Logo, a Leonette começaria a ser modificada. Em 1965, o motor tcheco ganhou novo carburador, que já permitia manter uns 50km/h...
Como Leon tinha um equipamento para fazer os raios das rodas, não demorou a fabricar também vergalhões e outros materiais para a construção civil.
- Dava menos trabalho e era dinheiro certo - conta o filho Alex. Novo motor em 1967
A empresa migrou para Bonsucesso e cresceu. Dobrar e laminar aço passou a ser o negócio principal. As motoquinhas, porém, vendiam como pão quente, com representantes de Manaus a Porto Alegre. A maior evolução aconteceu no fim de 1967, com o novo motor Jawa de 50cm³, de cilindro na horizontal. Além disso, tinha caixa de três marchas acionada com o pé e partida por quique. Chegava a 80km/h.
O fundador estava cada vez mais concentrado nos negócios com aço e quem tocava a divisão de motos era o espanhol Antonio Sanchez, diretor industrial da fábrica.
Em 1967, surgiu a Leonette de maior sucesso: a Sport, com tanque na mesma posição das motos modernas. E havia a bela Super Sport, com guidom baixinho, tipo Manx. O modelo Ideal, mais simples, tinha um escudo frontal.
Na época, motos de até 50cm³ podiam ser pilotadas por qualquer maior de 15 anos sem habilitação. O sucesso era tanto que havia até grupos como o Clube dos Leonetteiros, que fazia longas excursões até... o Grumari!
Os números de produção, nem os fabricantes sabem. Mas era muita coisa: a moto era exposta em diversas lojas de departamentos, como a Mesbla. Só um dos representantes em São Paulo vendia 50 por mês.
- Pedíamos uma peça, chegava outra - lembra Leon.
Para piorar, o regime militar brasileiro endureceu, criando obstáculos aos negócios com países comunistas.Eis que um dia, em 1969, o filho de um ministro morreu em Copacabana, num ciclomotor. Quase imediatamente, os menores foram proibidos de pilotar. As vendas caíram a 1/4 do que eram.
Ao mesmo tempo, o milagre brasileiro fazia as encomendas de aço para a construção civil acelerarem, concentrando todas as atenções na L. Herzog. A pá de cal foi a invasão das motos japonesas. Era o fim da Leonette: a última, chamada Mustang M20, foi feita em 1971.
A Honda chegou a entrar em contato com Leon, para montar motocicletas no Brasil.
- Eu só faria se pudesse usar o nome Leonette. Não foi adiante - conta o empresário.
A fábrica de Bonsucesso continuou os negócios com aço e foi vendida para a Gerdau em 1992. Hoje, aos 90 anos, Leon gosta mesmo é de jogar golfe.
- Meu pai já estava de saco cheio de fazer motos - brinca Alex.